IMPORTANTE

Não serão publicados posts e/ou comentários que incitem formas de discriminação ou de violência. Além disso, os textos assinados são de exclusiva responsabilidade do seu autor, não refletindo, necessariamente, a opinião dos demais alunos e da professora. Por essa razão, nenhum texto poderá ser assinado por meio de pseudônimo.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Cultura islã, terrorismo e mais preconceito

Este post discute um outro malefício advindo de mais um lamentável ataque terrorista, que é fomento ao preconceito contra os muçulmanos de forma generalizada. Urge a reflexão!
--------------------------------------------------------------------
Muito se fala sobre o ataque na França que deixou 129 mortos e cerca de 350 feridos. O que pouco se fala e deveria ser dito é sobre as consequências disso para a comunidade muçulmana na França e em outras partes do mundo. Em tempos de tensão com os ataques terroristas que envolvem a religião islâmica, toda a atenção recai sobre os muçulmanos. Tudo isso eleva ainda mais o temor de uma onda de “islamofobia” e perseguição.
A comunidade muçulmana condena veementemente os ataques e diz que os que praticam atos terroristas não representam o Islã, nem os muçulmanos. Para quem não sabe, o próprio nome Islã vem da palavra salam, que significa paz. A religião islâmica prega a questão da paz, da tolerância, do respeito, de respeitar o direito do outro, ter consideração pelo outro, colocar-se no lugar dele e isso é seguido pela grande maioria dos muçulmanos.
O islamismo é a segunda maior religião da França ficando atrás somente do catolicismo. São seis milhões e meio de fiéis que correspondem a 10% da população. Apesar de ser o país com a maior comunidade muçulmana da Europa, segundo a revista Época, uma pesquisa divulgada ano passado pelo jornal Le Monde revelou que 74% dos franceses consideram o islamismo “intolerante” e “incompatível” com a cultura francesa.
Às vezes, é necessário colocar-se no lugar do próximo para compreender melhor a situação. Para entender como é ser muçulmano na França, é só pensar que o país é uma porta de entrada de muitos imigrantes vindos principalmente de países islâmicos do norte do continente, que, com pouca ou quase nenhuma oportunidade de emprego e de estudo, acabam não se integrando à sociedade francesa. E, a cada ataque terrorista, fica mais difícil para estes homens serem vistos como cidadãos franceses, e não como suspeitos.
A população que segue o islã tem, por exemplo, menos chances de encontrar um trabalho. Segundo a Folha de São Paulo, uma pesquisa da universidade Stanford, realizada em 2010, mostrou que um muçulmano de origem africana tem 2,5 vezes menos chances de ser chamado a uma entrevista de emprego que um cristão francês de mesma qualificação e origem.
Ainda segundo o jornal, outra pesquisa realizada pelo Observatório da Islamofobia mostrou que, em 2013, houve 691 atos contra muçulmanos e suas instituições na França, o que corresponde a um aumento de 47,3% em relação ao ano de 2012.
É fato que o terrorismo é imediatamente associado aos muçulmanos. Por conta disso, aumenta a pressão para que leis de imigração e censura sejam cada vez mais rígidas. Isso afeta pessoas que nada têm a ver com o extremismo. O crescimento das forças anti-Islã preocupa os muçulmanos da França.
As palavras têm poder, então temos que tomar muito cuidado, quando falamos que o Islã “também tem pessoas de bem”, porque parece que a regra geral é o terrorismo, quando, na verdade, é o contrário. A regra geral é a paz, é a solidariedade, as pessoas que fazem o mal é que são exceção. Não podemos julgar um grupo por essas pessoas, nem tachar isso de terrorismo islâmico. Dessa forma, estaremos apenas criando ainda mais preconceito.


                                     (Raphael Caprile, Ciências Contábeis)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Fora da estrada

Este post está incrível... Leitura fluida e divertida, tanto quanto necessária para a nossa reflexão. Parabéns, Victor!
----------------------------------------------------------------------------
Foi ano passado, quando primeiro percebi o carro. No comercial de televisão onde o jovem adulto bem vestido, gel no cabelo, camisa engomada, sai do escritório para entrar em seu carrão rumo a um fim de semana de aventuras. Com direito a dirigir entre um estouro de boiada e levantar cortina de lama em câmera lenta para, segunda-feira, exibir orgulhosamente pela cidade seu possante com as marcas da estrada de terra. “O conforto da cidade com a liberdade off road” dizia a grave voz narrando a lúdica propaganda.
Minha colega, uma diminuta artrópode hemofágica que aluga um espaço na parte de trás de minha orelha, baixou o jornal que segurava e me fitou por cima dos óculos sem nada dizer, enquanto eu ficava impressionado pela sedutora propaganda.
– Que foi, pulga? – perguntei.
– Você cai nessa?
– Claro que não. – respondi constrangido ao perceber que caí direitinho. A pulga sabe que esse tipo de propaganda não é para pessoas como eu.
            A segunda vez que vi o gigante automotivo foi muito mais emocionante. Pudera, ele não estava atrás da frígida tela de um televisor. Estava cortando toda a humildade de minha bicicletinha para fora da pista. O largo utilitário esportivo ocupava toda a faixa direita da avenida. Não havia espaço para mais nada. Me vi obrigado a sair do asfalto e esperar uma chance de voltar a pedalar em segurança. Logo à frente, um semáforo se avermelha e segura meu algoz de 2300 cilindradas no lugar, dando-me a chance de emparelhar e mandar um singelo abraço à mãe do motorista. Antes da troca educada de elogios, porém, bati com a língua nos dentes ao perceber que o exímio piloto era meu supervisor. Estava lá se dirigindo à fábrica assim como eu. Aquele para assistir, esse para trabalhar.
            Coisa maravilhosa é o instinto de sobrevivência do ser humano, visto que, naquele momento, recolhi-me à insignificância socioeconômica do alto da bicicletinha e, com um aceno para o superior hierárquico que arrancava o veículo na abertura do semáforo, pedalei para duas faixas de distância cortando outros carros e arriscando ser atropelado. Ao chegar à fábrica, o satisfeito condutor me intercepta no corredor.
– E aí, ciclista?
– Opa, chefe, carrão, hem?
– É o SUV do ano! Quatro por quatro e tudo.
– Esportivo utilitário, né? E pra onde vai com tanta potência automotiva?
– Aqui, pro serviço, e pra casa de praia nos fins de semana.
            Na hora, pensei “Seu exibido arrogante, você mora a quinze minutos do serviço e sua casa de praia fica na cidade vizinha. São vinte quilômetros de pista perfeitamente asfaltada e sei que você mal aparece por lá duas vezes por ano.” Mas, como é incrível esse tal instinto, o que realmente saiu pela minha boca foi:
– Legal! Com licença, vou pra minha estação.
            Pula a pulga de trás de meu ouvido e pousa na mesa onde fica o computador.
– Eu sei o que você está pensando. Um carro daquele e o cara nem precisa de tudo isso.
– É, pulga. Mas é assim mesmo. Status quo. Ele é supervisor, tem de manter as aparências. Fora que esses carrões estão na moda. – rebati só para não concordar com o animal.
– Agora você falou algo certo, dá uma olhada nisso.
O pontinho preto saltitou pelo teclado do computador e abriu uma página eletrônica com um gráfico.


– Esses carros estão vendendo cada vez mais, mesmo num cenário de queda dos automotivos. – argumentou a pulga com ar professoral.
– Sim, e qual o problema? – retruquei.
– O problema é a sustentabilidade!
– Sustentabilidade? – perguntei incrédulo – Então, você está me dizendo que a venda de SUVs, de alguma forma, afeta a reciclagem do lixo?
– Sua visão de sustentabilidade é muito limitada, amigo. Pensa comigo: os carros estão cada vez maiores e, consequentemente, mais pesados. Mais peso causa maior queima de combustível. E não são apenas esses SUVs, o tamanho dos carros populares aumentou quase vinte centímetros nos últimos dez anos. Parece pouco, eu sei, mas multiplique esses vinte centímetros pela quantidade de carros nas pistas. Imagine a falta que faz esse espaço na hora de estacionar. Você tem notado os congestionamentos cada vez maiores. O espaço nas ruas não está ficando maior, e os carros estão fazendo o inverso do ideal, que seria adaptar o tamanho dos carros para uma área urbana saturada de veículos. Vias públicas são recursos limitados e gerenciar esses recursos também faz parte da sustentabilidade.
– Eu não tinha pensado por esse lado.
– Claro que não. Você lembra dos Smart Cars? Em 2005, quando o tratado de Quioto entrou em vigor propondo, entre outras medidas sustentáveis, a eficiência energética e a reforma no setor de transportes, esses carros supertecnológicos, econômicos e minúsculos foram apresentados como a solução derradeira para a mobilidade urbana. Chegou a ter certa atenção da mídia, mas logo foi engolido pela poderosa indústria automobilística. Pior, numa mostra cruel de sua força, manobrou a tendência do setor para que do fracasso dos carros sustentáveis emergissem os potentes utilitários esportivos. Estes são a antítese dos carros sustentáveis, apesar das propagandas apelarem com frases como “o mais econômico da categoria”, “linha eco” e “total flex”.
– Mas não podemos fazer nada a respeito. Estamos cada vez mais off road sem sair da cidade.
– Você talvez não. Mas nós, pulgas, temos o dever de espalhar, de orelha em orelha, essa coceirinha que deixa as pessoas inquietas... 


Para saber mais:

http://g1.globo.com/carros/noticia/2015/04/6-novos-suvs-em-1-mes-veja-tudo-deles-e-como-os-rivais-se-mexeram.html (notar no fim da matéria as medidas dos carros, chegando a ser quase 20% maior em comprimento e largura dos carros populares)

                                                 (Victor Pedroso de Macedo, Ciências Contábeis)